quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Vozes Desconhecidas

E de repente veio uma enxurrada de pensamentos dolorosos e doloridos.  Fazia tempo que ele não pensava nela.  Ao menos não com aquela intensidade.  Afinal, desde sempre, ele fez questão de administrar cada detalhe das lembranças para que elas não interferissem mais na sua vida.

Jogou tudo em uma caixa: Porta retratos, roupas, cartas, papeis, CD’s, bilhetes, lembranças...  Como se fosse possível que toda a história de uma vida, coubesse no fundo de uma gaveta trancada. Doce ilusão...

Dessa vez a dor era forte, quase insuportável para aquele pobre coração que nunca foi preparado para sofrer.  Ele não conseguia dormir, precisava apenas de um carinho ou de um simples “boa noite” dela pra continuar. A gaveta não segurava mais as lembranças, elas pareciam agora ter vida própria. Surgiam de todos os cantos, cantavam músicas das mais variadas, tinham vozes, cheiros, sorrisos, assumiam formas, estavam até em locais que nunca estiveram, viravam lágrimas com o gosto de mágoa e frustração, por tudo que poderia ter sido, mas não foi.

Já havia se passado tanto tempo desde um ultimo contato. Um dia estranho, frio,  ao menos nas palavras bem clichês das quais ele não se lembrava muito bem.  Nada mais de um “vou bem sim e você?”, que de nada ilustravam a quantidade de palavras e confidências que já haviam sido trocadas por aquelas duas vozes, que naquele dia, pareciam se desconhecer.

Nada fazia aqueles pensamentos irem embora. Nem mesmo os livros que ainda tinha pra ler, seu filme favorito que acabava de começar, o resto de uma garrafa de vodka que há meses pairava sobre sua mesa .  “Por onde ela anda essa hora?” inevitável era aquela pergunta, naquele momento, daquele dia...

O desespero lhe caia bem, ele sabia. Desde novo sempre teve um talento para o exagero e drama, se fosse sofrer que fosse com estilo, como seus grandes ídolos, se fosse pra morrer de amor que fosse de uma maneira trágica, triste. E pensando assim...  Olhando bem de perto, agora a vodka lhe parecia atraente. 

Ela já havia citado Bukowski em outras ocasiões dizendo que bebia para comemorar nos dias felizes, pra esquecer nos tristes e pra que acontecesse algo, quando nada acontecia. Então era isso, ele precisava de vodka para o sofrimento realmente acontecer.

Sem cerimonias bebeu, como se literalmente afogasse todas as mágoas dentro dele.  Nunca alguém tinha bebido algo tão forte em tão pouco tempo, provavelmente ele queria que alguém visse aquilo, só para sentirem pena. Mas ninguém o via, e ainda sim ele continuava bebendo, logo ele que mal aguentava uma lata cerveja, bebia como se fosse um castigo, como se punisse a si próprio, em um processo nada convencional de autodestruição.

Já no fim da garrafa ele ainda pensava nela, mas seus pensamentos estavam mais leves, soltos, confusos, sonolentos, beirando o infantil, com traços de amnesias. Pequenos traços, não fortes o suficiente para apagar o telefone dela de sua memória e fazê-lo esquecer que ele ainda precisava muito ouvir um “boa noite” para  então dormir em paz.

E foi assim, talvez sem pensar muito bem, ou fazendo exatamente o que ele tinha pensado por dias, que ele ligou simplesmente ligou:

-Alô.
Era ela.

Seu coração veio na boca, seu estômago doía, ele soava frio e assim não teve coragem de dizer nada.
Novamente ela insistiu:
-Alô?

Nesse momento, ele interrompeu o silêncio, respirou fundo e disse:
- Aqui é o José Carlos do Banco Santander, a senhora pretende fazer um cartão conosco?

E subitamente ela respondeu:
-Não.
-Obrigado e tenha uma boa noite...

Por um mero reflexo de educação, sem ter a mínima ideia do peso das palavras, ela repetiu:
-Boa noite.

E foi assim então que ele relaxou, com a sensação de que depois de um “boa noite”, e de um trote bem dado, agora sim... Ele poderia dormir bem

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