quinta-feira, 24 de julho de 2014

Vento

E hoje cedo eu acordei com o vento, sabe? Tinha algum tempo que eu não acordava assim, tão assustado. Na verdade, acho que tem tempo que nem quero acordar.

Pra variar acordei e lembrei-me de você, eu sempre lembro, mas hoje foi tão rápido. Às vezes eu demoro mais um pouco, penso em outras coisas, penso em que dia é hoje, tento me lembrar do sonho que tive, o quanto falta para o fim de semana, mas hoje não... Hoje eu acordei e pensei logo em você quase que subitamente, como se estivesse pensando dormindo, e fosse você a extensão do meu sonho.

Hoje ventou demais. Não que eu tenha medo do vento, nunca tive. Mas hoje ele fazia um barulho tão alto, uns sons estranhos, quase como um grito de desespero, uns sopros, uivos, vaias, não sei ao certo. Quase uma sinfonia de barulho se é que isso seja possível. Como se quisesse me dar um recado, dizer-me alguma coisa, talvez um nome, claro que pensei logo no seu.

Ventava e inevitavelmente acordei assustado, estranho como há tanto tempo que eu não sentia meu coração acelerar daquele jeito, ainda que de medo.  As emoções têm ficado cada vez mais escassas do lado de cá da metade. 

O vento me lembrou Caio Fernando e seu confinamento em “Carta Para Além do Muro”, em que ele começava dizendo que se “você tivesse telefonado hoje eu te diria tanta coisa” e acaba só pedindo maças que durassem mais. Acho que no final ele só queria mesmo ser lembrado de qualquer maneira, uma tristeza que só.  E você? Lembrou de mim também com o vento?

Mas ventou muito, ventou demais e eu pensei muito em você também, sabia? Obvio que sabia. Lembrei tanto que até fiquei durante horas pedindo pra você praquela estátua que tenho, nem ela me aguentava mais. Acho que na verdade o vento pode ter sido só uma desculpa minha pra continuar pensando sem culpa, sem aquela cosa de "ter que esquecer" e tantos outros mantras que todo mundo me diz, que eu digo que sei, mas no final das contas não dou a mínima. E assim lembrei, ou melhor, continuei lembrando exatamente do seu rosto, da roupa que vestia e do pavor absurdo que você tinha do vento. Fiquei pensando: Será que você sempre percebeu que ele queria dizer algo?

Ventava muito e eu liguei a TV, troquei de canal daquela maneira que irritava você, mas é incrível a capacidade que a mente tem de fazer as melhores associações quando quer, transformar até a piada de um desenho feliz, na coisa mais triste do mundo.

Ventava. E eu segui quieto. Não desabafei, reclamei, não corri atrás de alguém pra contar o quanto isso me agoniava, nem nada. Foi como disse o Caio, talvez se você tivesse ligado eu teria te dito mesmo tanta coisa, mas você não ligou, como já não liga, nem traz maçãs.

Na verdade, assim, ventava muito, mas fisicamente para o mundo, foram só algumas lágrimas que caíram mesmo. Nada de choro compulsivo, cara feia, gritos, desespero, travesseiro pra tapar o som, nem nada do tipo. Só algumas lágrimas puras que caíram quase que involuntariamente sem nem deixar o olho vermelho. Um choro rebelde, que vazou de toda a agonia que vinha de dentro sem ninguém perceber.

E  limpei o rosto, foi tão puro que nem precisei lavar. E vou te dizer que continuava ventando demais quando eu decidir dar uma caminhada na rua sem destino, sem pressa, nem local definido pra ir. Só andei, daquele mesmo jeito que eu sempre quis fazer. Mas teve uma hora que ventou tanto que eu até imaginei você reclamando.  Foi aí parei e só observei o vento que rodava, dançava, brincava de levar e trazer tudo a sua volta.

Ventava demais, mas ainda assim me deu uma vontade louca de te ligar pra te dizer que você não precisava nunca mais ter medo de nada, muito menos do vento.  Porque ele faz parte da vida, é um objeto da renovação, capaz de levar algumas coisas pra longe, mas também de trazer de volta o longe que deveria estar perto, nem que às vezes a gente tenha que estar no meio do tufão pra entender o que tem que ser, independente da nossa vontade ou não, no que depender do vento, vai acabar sendo.

Eu fiquei imaginando que do mesmo jeito que ele, o vento, te levou pra bem longe e me trouxe a saudade, em breve, bons sopros levarão essa saudade e te trarão de volta. Ele leva, mas também traz.

E no final de tudo eu só preciso te dizer pra ficar tranquila e continuar em paz.

Porque ventava muito, mas ainda assim, eu sorri...

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