domingo, 17 de novembro de 2019

No Fundo da Gaveta

Desde criança lembro-me de ver a gaveta do meu pai
E sentir uma coisa estranha…

Acho que desde sempre ver papéis

Anotações
Fotos e documentos de outra pessoa
Me deixou extremamente melancólico.

Como se ver aquilo ali guardado
Tomando todo o cuidado para lutar contra o poder do tempo
E com a desculpa que ainda será importante um dia
Demonstrasse pra mim que alguém realmente se importa
Sente algo 
Precisa daquilo
E sabe-se lá porque me fizesse sentir pena.
Como se nossa vida toda fosse se resumindo nisso.
Em pedaços bem guardados dos nossos feitos
Espelhos moldurados para lembrar quem fomos
Sonhos que levamos impressos dentro de pastas.
Momentos exaltados que vivemos
Um acúmulo de objetos que nos lembram coisas que fizemos
Seguimos
E deixamos pra trás.
Mas se está ali guardado
Embrulhado 
Com todo carinho e cuidado
Mostra que nunca realmente deixamos pra trás…
Como se das coisas que mais importam
Ter um papel amassado
Amarelado 
Guardado no fundo de uma gaveta 
Que significasse tudo
Na realidade mesmo não fosse nada.

Nada além de lembranças
Nada mais que triste…

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Yo Te amo

Às vezes eu falo "eu te amo" em outro idioma
Como se fosse menos ousado
Menos pesado.

E o amor ainda que sentido da maneira tradicional
Mas dito assim disfarçado em outra língua
Fosse mais fácil de dizer.
Como se o simples fato de confessar o que sinto de um jeito diferente
Fosse eufemista
Te assustaria menos
E faria que qualquer "je t'aime" fosse mais leve
E nem tivesse

Tanto "love" assim…

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Como Se Você Fosse Aparecer

Às vezes canto uma música
Como se você fosse ouvir.
Escrevo um rabisco
Como se você fosse ler.
Cito seu nome
Como se você fosse saber.
Imagino um abraço
Como se você fosse sentir.


Deixo a mala pronta
Como se você fosse aparecer…

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Dark e o Futuro do Pretérito de Cada Dia

E o tempo faz a gente…

Fazer coisas que jamais imaginou que faria.
Dizer coisas que jamais previu que diria.
Usar coisas que jamais cogitou que usaria.
Ir a locais que jamais considerou que iria.
Se afastar de coisas que jamais supôs que se afastaria.
Pensar coisas que jamais julgou que pensaria.

Virar o tal estranho
Que encheu a boca jurando que jamais seria.

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Stalker

Às vezes eu te espio de longe.
E acompanho com fidelidade a novela da sua vida.
Sei do seu dia
Seus hábitos
Das pessoas
E quem você é
Pela lente que abre e fecha o suficiente para descobrir o necessário.

Olho por entre as fechaduras da chave que você tira.
Limpo a imagem por detrás dos vidros que você embaça.
Encontro seus porta-retratos deixados para trás de propósito.
Sou um mero espectador.
Respiro os seus momentos passivamente sem ser notado
Admirando essa sua versão de verdade
Que você construiu para o mundo.

E não sei ao certo 
Se continuo a te vigiar por gostar dessa obsessão que criei
Ou porque espero um dia achar outra porta além da fechadura

Um recado escrito no vidro.
Um bilhete escondido na moldura.
Ou quem sabe um detalhe
Uma pista
Ou uma revelação
Que me dira no meio disso que todo mundo sabe
Um segredo 
(Nem que seja em forma de sorriso)
Que enfim sirva somente para mim.

terça-feira, 11 de junho de 2019

About Time

E a noite...
Às vezes no clichê hiperbólico do silêncio com o escuro
Sigo uma versão minha que passou.

Vou para locais que já estive.
Vejo pessoas que já não me veem.
Vivo momentos que já foram.
E mergulho fundo e orgulhoso no construção mais bela que já fiz:
O meu passado.

Recanto músicas.
Refaço atitudes.
Refalo frases
Revivo cada detalhe.

Em vão acredito que posso voltar no tempo
Para conspirar outros rumos
Entre outras possibilidades
De uma nova história.
E adivinhar como teria sido a vida.
Se não tivesse acontecido exatamente tudo do jeito que tinha que ser.

Respiro o ar melancólico e rarefeito do que já passou
E acordo sufocado pela realidade do presente
Que não sei ao certo se pelo medo de ser 
Ou deixar de ser
Não gosto do que vejo.
Não permito virar futuro.

De longe
Enxergo-me 
Tranco-me
Aprisiono-me
Acorrento-me 
E prendo-me de corpo inteiro
Enraizado e apaixonado 
Por uma versão idealizada
Que provavelmente jamais existiu.

Sem perceber que é impossível sofrer que já mais não sou
O que provavelmente nunca fui.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Canções Que Se (en)Cantam

Aprecio muito as metáforas das músicas
E o jeito delas de dizer coisas tristes
Sem dizer.

Mas acho que o sempre mais gostei eram das letras simples e bonitas
Que dizem tudo
Que todo mundo sempre quis dizer.

Como um segredo que se conta.
O telefone que toca.
Não ter explicação.
Um cachorro que sorri latindo.
Uma caixa em formato de coração.
A foto 3x4 achada.
Nada se comparar.
E tudo ser uma questão de sentimento.

Palavras soltas:
Amor
Saudade
Dor
Meu
Seu
Passado.

De tantos verbos que a gente usa.
De tanta coisa que a gente já fez.
De tudo que a gente já viveu.
E que falam do cotidiano
Do comum
Do normal
De mim
De você.
E de toda gente.

Às vezes é tão simples e puro
Que até emociona...

E faz perceber que o glamour do idealizado pode ser belo
Mas só a simplicidade do cotidiano 
E a realidade que nos roteia

Pode realmente ser considerada linda...